E o tempo
continua passando. Em dois dias completo 3 meses de Alemanha, meu alemão
continua nível A1, ainda cometo erros mais que básicos quando tento falar
alguma coisa, erro toda estrutura das frases, mas ao menos já comecei a
entender palavras-chave nas reuniões de trabalho, mas ainda preciso perguntar
depois, e muito.
Mas melhor
do que a língua em si é que comecei a entender melhor a estrutura de um
doutorado na Alemanha, e estou apaixonada. Diferente do Brasil que basicamente
pensamos em um projeto bem elaborado e focamos na coleta de dados, análise,
qualificação e defesa, aqui o importante em si não é o seu projeto inicial ou
se você vai publicar 5 artigos esse ano (só porque todos os alunos da graduação
são obrigados a colocar seu nome como colaborador, claro), mas sim que no final
você possa ser realmente um pesquisador.
Antes de
realmente começar a rotina no laboratório, é comum o orientador dar algumas
semanas para o aluno que vem de outro país se estabilizar, afinal, é preciso se
acostumar com um novo país, pessoas falando outra língua, entrar em um
apartamento novo onde sua mudança está dentro de duas malas de 32 kg e sair pra
comprar basicamente tudo. Depois é preciso acertar documentação para
permanência no país, matricular na universidade, pagar taxas escolares, fazer
um seguro-saúde, abrir uma conta no banco e a lista não tem fim!
Eu
particularmente tive 3 semanas e foi suficiente. Achei exagero no começo, claro
que a ansiedade e vontade de começar é enorme, mas percebi que realmente esse
tempo foi necessário. Então veio minha nova surpresa: doutorandos não
frequentam aulas (com exceção de uma ou outra do orientador), então são
tratados basicamente como funcionários. Eu tenho minha própria sala, a qual
divido com um colega (por acaso também estrangeiro), minha mesa com gavetas
para guardar meus documentos, meu computador e telefone. Nossos nomes constam
na porta, toda a equipe está no mural do corredor do instituto com fotos, nome
embaixo e o número da sala. Além disso, temos a sala de estudantes com mais
computadores (que aí já não são pessoais) para alunos da graduação e mestrado e
o laboratório em si.
Minha mesa e meu computador: para não morrer de saudades! ♥ |
Outras
coisas que me deixaram de queixo caído foi a organização do grupo. Dentro do
instituto, temos o nosso e-mail pessoal, e dentro dele um calendário que pode
ser lido por todos, ou seja, se eu quero ir na sala da minha orientadora pedir
alguma coisa, é só checar antes se ela está em alguma reunião para não
atrapalhar, ou mesmo usar o laboratório para uma coleta, tem o calendário
próprio onde todos agendam uso para não ter perigo de duas pessoas agendarem no
mesmo dia. Temos reuniões regularmente (a cada 15 dias, no mesmo dia e horário)
no qual discutimos o que está acontecendo, pedimos ajuda, tiramos dúvidas...
E sim, a sala da nossa orientadora fica acessível
em frente ao laboratório, e ela está sempre lá, quando você precisa de qualquer
coisa é só bater e pedir. Ela não some ou demora 50 anos para corrigir um
artigo ou te dar uma resposta. Caso prefira, também pode conversar com ela no
almoço enquanto senta entre os alunos no restaurante universitário sem
problemas algumas vezes durante a semana. E nada de chamá-la por “professora”
ou “senhora”. Chamamos pelo diminutivo do nome, como muito me chamam de “Li”.
Semana
passada finalmente tive minha primeira reunião com minha orientadora para
discutirmos os meus primeiros passos no doutorado. Eu não vou desenvolver
nenhum projeto específico nos próximos dois anos, então agora é hora de usar
tudo que eu quiser do laboratório e fazer testes, analisar o dados (ver se eu
sei fazer isso), interpretar e tirar dúvidas. Sabe aquela coisa de economizar
material porque não sabemos se a verba vem para nova compra? Ninguém nunca
ouviu falar disso por aqui. Então
se eu me decidir que quero estudar a cor
verde, primeiro faço alguns testes no laboratório pra saber o que é cor. Ah, é só pegar os livros certos
sobre o assunto e pronto. Não, não aqui. Primeiro você realmente precisa
entender o conceito e testar por si mesmo o que é cor. E de novo se o primeiro piloto não der certo. Ok, você está
seguro sobre cor, então agora
precisa estudar o azul e o amarelo, insistentemente, até você
entender sobre isso. E então você terá capacidade de realmente elaborar um
projeto sozinho para saber o que é o verde.
No final, você sabe passo a passo até chegar ao que quis estudar
especificamente. Claro, até lá você também participou do projeto de vários
colegas, mas que não é seu. Cada um tem seu objetivo, esse negócio de fazer um “projetão”
e cada um tira sua fatia, apesar de mega prático e utilizado no Brasil para
render muitos artigos, não é considerado pesquisa aqui.
Além de participar do projeto dos colegas, você
também terá algumas perguntas para responder. Trabalhamos em conjunto com o
Hospital Universitário, então se um médico tem um grupo de pacientes com uma
doença x e quer entender porque o movimento desses pacientes é y, ele liga para
alguém no laboratório e fala, tenho n pacientes nessas condições e quero
entender por que eles respondem dessa forma ao tratamento, tem alguma outra
coisa que poderia ser feito? E então isso é discutido em reunião, um dos
pesquisadores do grupo fica responsável pelo estudo, é apresentado ao médico e
os pacientes são encaminhados sem você precisar IMPLORAR para que eles
participem da sua pesquisa. Não é um sonho?
No final de tudo, você tem dois caminhos: caso
você tenha feito dois bons artigos e PUBLICADO durante seu doutorado como autor
principal, você recebe o título Phd. Caso contrário, você precisa escrever
a tese e apresentar. A tese não é somente o projeto principal, mas passo a
passo de tudo que foi realizado durante seu doutorado, com os resultados
obtidos. E como em qualquer lugar, você só vai apresentar ou mesmo caso não
precise apresentar, só receberá o título caso seu orientador acredite que você
fez um bom trabalho e está apto para isso (#medo).
No fim, mesmo parecendo mais confuso, acredito
que o processo aqui é muito mais fácil e muito mais eficiente. É realmente uma
escola onde você precisa ser autodidata para ter sucesso, mas ao menos forma um
profissional independente sem o stress
desnecessário de cumprir metas para o orientador.
Outra coisa que acho o máximo? Sabe aqueles “bam-bam-bam”
da nossa área que lemos os artigos no Brasil e ficamos babando nos artigos
deles? Então, passam na frente da minha sala todos os dias!! Cada dia descubro
um novo!! E claro, a minha própria orientadora é uma delas.
Posso estar enganada sobre minhas primeiras
impressões, mas uma coisa é certa: não pode ser a toa que a Alemanha possui as melhores universidades e
centros de pesquisa do mundo!
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