Visitante número:

sábado, 5 de julho de 2014

Estudar na Alemanha: primeiras impressões

E o tempo continua passando. Em dois dias completo 3 meses de Alemanha, meu alemão continua nível A1, ainda cometo erros mais que básicos quando tento falar alguma coisa, erro toda estrutura das frases, mas ao menos já comecei a entender palavras-chave nas reuniões de trabalho, mas ainda preciso perguntar depois, e muito.
Mas melhor do que a língua em si é que comecei a entender melhor a estrutura de um doutorado na Alemanha, e estou apaixonada. Diferente do Brasil que basicamente pensamos em um projeto bem elaborado e focamos na coleta de dados, análise, qualificação e defesa, aqui o importante em si não é o seu projeto inicial ou se você vai publicar 5 artigos esse ano (só porque todos os alunos da graduação são obrigados a colocar seu nome como colaborador, claro), mas sim que no final você possa ser realmente um pesquisador.
Antes de realmente começar a rotina no laboratório, é comum o orientador dar algumas semanas para o aluno que vem de outro país se estabilizar, afinal, é preciso se acostumar com um novo país, pessoas falando outra língua, entrar em um apartamento novo onde sua mudança está dentro de duas malas de 32 kg e sair pra comprar basicamente tudo. Depois é preciso acertar documentação para permanência no país, matricular na universidade, pagar taxas escolares, fazer um seguro-saúde, abrir uma conta no banco e a lista não tem fim!
Eu particularmente tive 3 semanas e foi suficiente. Achei exagero no começo, claro que a ansiedade e vontade de começar é enorme, mas percebi que realmente esse tempo foi necessário. Então veio minha nova surpresa: doutorandos não frequentam aulas (com exceção de uma ou outra do orientador), então são tratados basicamente como funcionários. Eu tenho minha própria sala, a qual divido com um colega (por acaso também estrangeiro), minha mesa com gavetas para guardar meus documentos, meu computador e telefone. Nossos nomes constam na porta, toda a equipe está no mural do corredor do instituto com fotos, nome embaixo e o número da sala. Além disso, temos a sala de estudantes com mais computadores (que aí já não são pessoais) para alunos da graduação e mestrado e o laboratório em si. 

Minha mesa e meu computador: para não morrer de saudades! 

Outras coisas que me deixaram de queixo caído foi a organização do grupo. Dentro do instituto, temos o nosso e-mail pessoal, e dentro dele um calendário que pode ser lido por todos, ou seja, se eu quero ir na sala da minha orientadora pedir alguma coisa, é só checar antes se ela está em alguma reunião para não atrapalhar, ou mesmo usar o laboratório para uma coleta, tem o calendário próprio onde todos agendam uso para não ter perigo de duas pessoas agendarem no mesmo dia. Temos reuniões regularmente (a cada 15 dias, no mesmo dia e horário) no qual discutimos o que está acontecendo, pedimos ajuda, tiramos dúvidas... 
E sim, a sala da nossa orientadora fica acessível em frente ao laboratório, e ela está sempre lá, quando você precisa de qualquer coisa é só bater e pedir. Ela não some ou demora 50 anos para corrigir um artigo ou te dar uma resposta. Caso prefira, também pode conversar com ela no almoço enquanto senta entre os alunos no restaurante universitário sem problemas algumas vezes durante a semana. E nada de chamá-la por “professora” ou “senhora”. Chamamos pelo diminutivo do nome, como muito me chamam de “Li”.
Semana passada finalmente tive minha primeira reunião com minha orientadora para discutirmos os meus primeiros passos no doutorado. Eu não vou desenvolver nenhum projeto específico nos próximos dois anos, então agora é hora de usar tudo que eu quiser do laboratório e fazer testes, analisar o dados (ver se eu sei fazer isso), interpretar e tirar dúvidas. Sabe aquela coisa de economizar material porque não sabemos se a verba vem para nova compra? Ninguém nunca ouviu falar disso por aqui. Então se eu me decidir que quero estudar a cor verde, primeiro faço alguns testes no laboratório pra saber o que é cor. Ah, é só pegar os livros certos sobre o assunto e pronto. Não, não aqui. Primeiro você realmente precisa entender o conceito e testar por si mesmo o que é cor. E de novo se o primeiro piloto não der certo. Ok, você está seguro sobre cor, então agora precisa estudar o azul e o amarelo, insistentemente, até você entender sobre isso. E então você terá capacidade de realmente elaborar um projeto sozinho para saber o que é o verde. No final, você sabe passo a passo até chegar ao que quis estudar especificamente. Claro, até lá você também participou do projeto de vários colegas, mas que não é seu. Cada um tem seu objetivo, esse negócio de fazer um “projetão” e cada um tira sua fatia, apesar de mega prático e utilizado no Brasil para render muitos artigos, não é considerado pesquisa aqui.
Além de participar do projeto dos colegas, você também terá algumas perguntas para responder. Trabalhamos em conjunto com o Hospital Universitário, então se um médico tem um grupo de pacientes com uma doença x e quer entender porque o movimento desses pacientes é y, ele liga para alguém no laboratório e fala, tenho n pacientes nessas condições e quero entender por que eles respondem dessa forma ao tratamento, tem alguma outra coisa que poderia ser feito? E então isso é discutido em reunião, um dos pesquisadores do grupo fica responsável pelo estudo, é apresentado ao médico e os pacientes são encaminhados sem você precisar IMPLORAR para que eles participem da sua pesquisa. Não é um sonho?
No final de tudo, você tem dois caminhos: caso você tenha feito dois bons artigos e PUBLICADO durante seu doutorado como autor principal, você recebe o título Phd. Caso contrário, você precisa escrever a tese e apresentar. A tese não é somente o projeto principal, mas passo a passo de tudo que foi realizado durante seu doutorado, com os resultados obtidos. E como em qualquer lugar, você só vai apresentar ou mesmo caso não precise apresentar, só receberá o título caso seu orientador acredite que você fez um bom trabalho e está apto para isso (#medo).
No fim, mesmo parecendo mais confuso, acredito que o processo aqui é muito mais fácil e muito mais eficiente. É realmente uma escola onde você precisa ser autodidata para ter sucesso, mas ao menos forma um profissional independente sem o stress desnecessário de cumprir metas para o orientador.
Outra coisa que acho o máximo? Sabe aqueles “bam-bam-bam” da nossa área que lemos os artigos no Brasil e ficamos babando nos artigos deles? Então, passam na frente da minha sala todos os dias!! Cada dia descubro um novo!! E claro, a minha própria orientadora é uma delas.
Posso estar enganada sobre minhas primeiras impressões, mas uma coisa é certa: não pode ser a toa que a Alemanha possui as melhores universidades e centros de pesquisa do mundo! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário