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Semana passada fiz um curso muito top chamado “Good
Scientific Practice“ com um especialista em ética em saúde e
pesquisa, destinado aos alunos do doutorado. Poderia ter sido um pouco mais do
mesmo se não fosse a didática incrível do professor e a forma que ele conduziu
o curso.
Já é uma experiência à parte estar fora da sua zona de
conforto, ou seja, com colegas da psicologia, matemática, física, engenharias,
economia, fisiologia, ciência médicas e cardiotecnologia. Interdisciplinar. E
além disso, eram alemães, espanhol, indiana, chinesa, japonês, paquistanês,
búlgara, suíços e brasileira, claro. Intercultural.
Começamos o curso discutindo as características
necessárias para realizar uma boa prática científica (BPC):
- Ter iniciativa;
- Pontualidade (prazos e eventos relacionados ao
doutorado);
- Ética;
- Confidencialidade;
- Transparência;
- Ter mente aberta à novas ideias;
- Documentação apropriada*;
- Autorias apropriadas;
- Novidade;
- Publicar em um único artigo para melhor entendimento;
- Ser educado ao criticar;
- Aceitar críticas;
- Objetividade;
- Independência;
- Justiça;
- Confiança;
- Organização.
Uma matéria de agosto da FAPESP
relata problemas sérios de má conduta científica que, antes era relacionado à
países como EUA, hoje tem se expandido às nações emergentes no mundo da
pesquisa, como o Brasil. Nessa mesma matéria fala sobre um estudo sobre causas
de retratação de 2.047 artigos científicos, onde 67,4% foram atribuídos à má
conduta científica (fraude, publicação duplicada, plágio). Desde 1975 a
porcentagem de artigos que precisaram sofrer retratação por fraude aumentou em
10%!!! Leia a matéria completa aqui.
É aí que entra toda documentação* da nossa pesquisa.
Faz parte da BPC documentar nosso doutorado e ensinar aos nossos alunos (graduação,
mestrado e doutorado) a fazer o mesmo. E tal prática também é capaz de nos
proteger. Por exemplo, você fez seu doutorado, publicou um artigo lindo numa
revista de alto impacto com seus dados e segue sua vida acadêmica. De repente,
você recebe uma carta do editor da revista que publicou seu artigo te acusando
de plágio. Sim, isso pode acontecer e sim, ele pode te pedir todos os dados
originais E sua
documentação de pesquisa. Pasmem, É
OBRIGATÓRIO NO MUNDO CIENTÍFICO REGISTRAR E CONSERVAR ACESSIBILIDADE DE DADOS E
INFORMAÇÕES. Seu orientador nunca pediu? Pois é, converse com ele sobre
isso, pois ele também não deve saber. Nesse caso, o aluno está isento de culpa,
mas o orientador e instituição de ensino podem ser punidos por desrespeitar
regulamento. Mas se por acaso o regulamento estiver lá nas leis da universidade
(geralmente estão), aí meu caro, a culpa é do pesquisador que não leu as leis
que regem o programa que faz parte.
Cada país tem uma regra própria sobre tempo de
conservação de tais dados, mas jamais ultrapassam os 10 anos. Então por
segurança vale a pena esperar esse tempo caso os dados sejam publicados em
jornais/revistas que pertençam a outro país e você não queira ler as leis deles
também.
Algumas regras importantes para aplicar no seu livro
de documentação científica, que deve ser:
- Completo;
- Estruturado;
- Específico;
- Objetivo;
- Durável;
- Preferencialmente em inglês;
- À prova de violação (por exemplo, com número de
páginas);
- Acessível;
- Data e horário de anotações.
Há cursos específicos sobre isso aqui,
logo que abrir inscrições devo me informar e então posto maiores informações. Após
esses 10 anos, dificilmente o seu artigo será contestado, afinal, não será mais
novos conhecimentos. E a recomendação é que tais dados devam ser destruídos,
principalmente dados pessoais de pacientes.
Outra parte óbvia do curso, mas que acontece muito por
aí é a tal “maquilada” nos dados. Não aceite argumentos como “todo mundo faz”
ou “só vamos excluir os outliers” ou “se não vai ser impossível publicar”. Ser
anti-ético é ser anti-ético e ponto. Não associe seu nome em artigos em que
você sabe que aconteceu alguma coisa errada, se alguém te denunciar (não é seu “inimigo”
que vai fazer isso, mas um cara lá do outro lado do mundo que adorou sua
pesquisa e não consegue reproduzir seus dados) e o jornal pedir seus dados e
documentação de tudo... é, você terá problemas! E todos os coleguinhas que assinaram o nome no artigo.
Seu orientador é quem faz você praticar má conduta
científica? Denuncie! Muitos
pesquisadores tem perdido seu título de doutor e credibilidade no mundo
científico por isso (estão na “blacklist” de jornais e revistas científicas),
não arrisque uma carreira que está começando (a sua!) por conta de uma pessoa que está
fingindo fazer ciência. Se você está fazendo seu doutorado na Alemanha, procure
o Ombudsman da sua universidade.
Outra das práticas condenáveis no mundo científico é o
chamado “Salami slicing”, sim, é o que você está pensando, é o tal de dividir o
seu estudo em 300 partes para publicar em mais artigos. Claro que no Brasil
ainda é cobrado demais dos pesquisadores quantidade de publicação, mas acredito
que com esse crescimento de plágios e má condutas serão adotados novos modelos
como algumas instituições aqui na Alemanha: é pedido ao pesquisador colocar no
seu currículo 5-10 publicações que definam seu trabalho, ou seja, se ele tem 30
ou 100 não importa, mas sim o quão importante são suas melhores publicações.
Não vale a pena esconder seus dados e deixar de publicar em revistas de maior
impacto para publicar em revistas menos importantes. Valorize seu trabalho e faça ciência!
Outra prática comum é o coleguismo na hora de colocar
autoria dos artigos. Eu sinceramente depois desse curso vi com novos olhos,
estamos tão acostumados com a prática que não nos importamos mais. Mas pensa
comigo, o colega de laboratório que parecia tão cheio de boas intenções vai lá,
faz a pesquisa, resultados não são bons, ele dá aquela maquilada, fabrica
outros resultados e o artigo fica lindo. Você não viu os dados dele, não
discutiu os resultados, mas seu orientador colocou na regra do laboratório que
seu nome vai junto porque você deu um ou dois conselhos durante pesquisa. É para
aumentar publicação do laboratório todo! Cuidado!! Se acontecer dele ser
descoberto, você também terá que responder por má prática científica, dizer que
você não participou do estudo não adianta, pois responderá por falsa autoria de
trabalho, que também é má prática científica! E já pensou perder seu título por
uma bobeira dessa de enfiar seu nome em artigo que você nem sabe o que está
acontecendo?
Para finalizar o curso, discutimos a seguinte questão:
por que ser honesto e praticar a BPC?
- Por ser justo;
- Para fazer ciência (de verdade);
- Para fazer com que fraudes sejam desnecessárias;
- Para o benefício e confiança da sociedade;
- Evitar desperdício de tempo e dinheiro;
- Para defender financiamentos;
- Evitar regulamentos externos;
- Para defender nosso privilégio de independência;
Nenhum desses faz sentido pra você? Então que seja
esse: PARA EVITAR PUNIÇÃO!