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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Boa prática científica



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Semana passada fiz um curso muito top chamado “Good Scientific Practice“ com um especialista em ética em saúde e pesquisa, destinado aos alunos do doutorado. Poderia ter sido um pouco mais do mesmo se não fosse a didática incrível do professor e a forma que ele conduziu o curso.
Já é uma experiência à parte estar fora da sua zona de conforto, ou seja, com colegas da psicologia, matemática, física, engenharias, economia, fisiologia, ciência médicas e cardiotecnologia. Interdisciplinar. E além disso, eram alemães, espanhol, indiana, chinesa, japonês, paquistanês, búlgara, suíços e brasileira, claro. Intercultural.

Começamos o curso discutindo as características necessárias para realizar uma boa prática científica (BPC):
- Ter iniciativa;
- Pontualidade (prazos e eventos relacionados ao doutorado);
- Ética;
- Confidencialidade;
- Transparência;
- Ter mente aberta à novas  ideias;
- Documentação apropriada*;
- Autorias apropriadas;
- Novidade;
- Publicar em um único artigo para melhor entendimento;
- Ser educado ao criticar;
- Aceitar críticas;
- Objetividade;
- Independência;
- Justiça;
- Confiança;
- Organização.

A grande novidade pra mim foi a documentação do doutorado e toda regulamentação para uma BPC. Existem diversos códigos de conduta que regulamentam a BPC:   manuais de procedimentos da National ScienceFoundation e dos National Institutes of Health, dos Estados Unidos; o código de conduta dos Research Councils UK, do Reino Unido; o código de conduta das agências australianas de fomento; o código de conduta da European Science Foundation. No site da FAPESP, você tem disponível versões em inglês, espanhol e português.
Uma matéria de agosto da FAPESP relata problemas sérios de má conduta científica que, antes era relacionado à países como EUA, hoje tem se expandido às nações emergentes no mundo da pesquisa, como o Brasil. Nessa mesma matéria fala sobre um estudo sobre causas de retratação de 2.047 artigos científicos, onde 67,4% foram atribuídos à má conduta científica (fraude, publicação duplicada, plágio). Desde 1975 a porcentagem de artigos que precisaram sofrer retratação por fraude aumentou em 10%!!! Leia a matéria completa aqui.
É aí que entra toda documentação* da nossa pesquisa. Faz parte da BPC documentar nosso doutorado e ensinar aos nossos alunos (graduação, mestrado e doutorado) a fazer o mesmo. E tal prática também é capaz de nos proteger. Por exemplo, você fez seu doutorado, publicou um artigo lindo numa revista de alto impacto com seus dados e segue sua vida acadêmica. De repente, você recebe uma carta do editor da revista que publicou seu artigo te acusando de plágio. Sim, isso pode acontecer e sim, ele pode te pedir todos os dados originais E sua documentação de pesquisa. Pasmem, É OBRIGATÓRIO NO MUNDO CIENTÍFICO REGISTRAR E CONSERVAR ACESSIBILIDADE DE DADOS E INFORMAÇÕES. Seu orientador nunca pediu? Pois é, converse com ele sobre isso, pois ele também não deve saber. Nesse caso, o aluno está isento de culpa, mas o orientador e instituição de ensino podem ser punidos por desrespeitar regulamento. Mas se por acaso o regulamento estiver lá nas leis da universidade (geralmente estão), aí meu caro, a culpa é do pesquisador que não leu as leis que regem o programa que faz parte.
Cada país tem uma regra própria sobre tempo de conservação de tais dados, mas jamais ultrapassam os 10 anos. Então por segurança vale a pena esperar esse tempo caso os dados sejam publicados em jornais/revistas que pertençam a outro país e você não queira ler as leis deles também.

Algumas regras importantes para aplicar no seu livro de documentação científica, que deve ser:
- Completo;
- Estruturado;
- Específico;
- Objetivo;
- Durável;
- Preferencialmente em inglês;
- À prova de violação (por exemplo, com número de páginas);
- Acessível;
- Data e horário de anotações.

Há cursos específicos sobre isso aqui, logo que abrir inscrições devo me informar e então posto maiores informações. Após esses 10 anos, dificilmente o seu artigo será contestado, afinal, não será mais novos conhecimentos. E a recomendação é que tais dados devam ser destruídos, principalmente dados pessoais de pacientes.
Outra parte óbvia do curso, mas que acontece muito por aí é a tal “maquilada” nos dados. Não aceite argumentos como “todo mundo faz” ou “só vamos excluir os outliers” ou “se não vai ser impossível publicar”. Ser anti-ético é ser anti-ético e ponto. Não associe seu nome em artigos em que você sabe que aconteceu alguma coisa errada, se alguém te denunciar (não é seu “inimigo” que vai fazer isso, mas um cara lá do outro lado do mundo que adorou sua pesquisa e não consegue reproduzir seus dados) e o jornal pedir seus dados e documentação de tudo... é, você terá problemas! E todos os coleguinhas que assinaram o nome no artigo.
Seu orientador é quem faz você praticar má conduta científica? Denuncie! Muitos pesquisadores tem perdido seu título de doutor e credibilidade no mundo científico por isso (estão na “blacklist” de jornais e revistas científicas), não arrisque uma carreira que está começando (a sua!) por conta de uma pessoa que está fingindo fazer ciência. Se você está fazendo seu doutorado na Alemanha, procure o Ombudsman da sua universidade.
Outra das práticas condenáveis no mundo científico é o chamado “Salami slicing”, sim, é o que você está pensando, é o tal de dividir o seu estudo em 300 partes para publicar em mais artigos. Claro que no Brasil ainda é cobrado demais dos pesquisadores quantidade de publicação, mas acredito que com esse crescimento de plágios e má condutas serão adotados novos modelos como algumas instituições aqui na Alemanha: é pedido ao pesquisador colocar no seu currículo 5-10 publicações que definam seu trabalho, ou seja, se ele tem 30 ou 100 não importa, mas sim o quão importante são suas melhores publicações. Não vale a pena esconder seus dados e deixar de publicar em revistas de maior impacto para publicar em revistas menos importantes. Valorize seu trabalho e faça ciência!
Outra prática comum é o coleguismo na hora de colocar autoria dos artigos. Eu sinceramente depois desse curso vi com novos olhos, estamos tão acostumados com a prática que não nos importamos mais. Mas pensa comigo, o colega de laboratório que parecia tão cheio de boas intenções vai lá, faz a pesquisa, resultados não são bons, ele dá aquela maquilada, fabrica outros resultados e o artigo fica lindo. Você não viu os dados dele, não discutiu os resultados, mas seu orientador colocou na regra do laboratório que seu nome vai junto porque você deu um ou dois conselhos durante pesquisa. É para aumentar publicação do laboratório todo! Cuidado!! Se acontecer dele ser descoberto, você também terá que responder por má prática científica, dizer que você não participou do estudo não adianta, pois responderá por falsa autoria de trabalho, que também é má prática científica! E já pensou perder seu título por uma bobeira dessa de enfiar seu nome em artigo que você nem sabe o que está acontecendo?

Para finalizar o curso, discutimos a seguinte questão: por que ser honesto e praticar a BPC?
- Por ser justo;
- Para fazer ciência (de verdade);
- Para fazer com que fraudes sejam desnecessárias;
- Para o benefício e confiança da sociedade;
- Evitar desperdício de tempo e dinheiro;
- Para defender financiamentos;
- Evitar regulamentos externos;
- Para defender nosso privilégio de independência;
Nenhum desses faz sentido pra você? Então que seja esse: PARA EVITAR PUNIÇÃO!

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